O Espelho


"A meta da vida humana é conhecer isto, "tornar-se a aparticipante da vida divina". Mas como? (...) 

Chega um momento em nossas vidas em que não podemos mais contentar-nos com ideias gerais. Temos necessidade de sermos guiados concretamente, acompanhados, no desenrolar de nossas experiências. Na tradição hesicasta, como em todas as grandes tradições, insiste-se nesta transmissão de pessoa a pessoa, "de meu coração ao teu coração". 

O espelho no qual podemos discernir a qualidade ou ilusão de nossos atos, não é uma lei ou uma regra, mas uma pessoa. 
A compreensão e o amor de Deus se transmitem pelo olhar, cuja ciência nos esclarece e cuja experiência nos reconforta. (...)

Filocalia quer dizer literalmente "amor à beleza". 

A oração é a arte pela qual a pessoa se une à Beleza última, cujos reflexos são a natureza, os corpos ou os rostos.

Orar é ir do reflexo à luz ou voltar da luz venerando-a em seus reflexos. Se quisermos resumir em algumas palavras, podemos dizer: 
Assenta-se.
Cala-te.
Permanece só.
Respira suavemente.
Faz descer tua inteligência ao coração.
Na respiração invoca o Nome.
Abandona os pensamentos.
Sê paciente e repete muitas vezes este exercício. (...)

Assenta-se, em primeiro lugar, isto se refere a postura, à atitude correta; (...) Sem estar impaciente ou indolente, numa atitude de repouso e ao mesmo tempo vigilância.(...)
A maneira correta de sentar-se é aquela que nos permite permanecer mais tempo possível imóveis e sem fadiga, de modo que a imobilidade do corpo favoreça a do espírito, mesmo se, num primeiro momento, o espírito se agite. Daí a importância de perseverar nesta imobilidade.

Assenta-te, no nível psicológico quer dizer: reecontrar com sua base; permanece numa atitude de estabilidade e de equilíbrio; como estar em seu estado natural, que significa o estado de uma pessoa em harmonia consigo mesma.

Num sentido mais espiritual, o assento, a base é a permanência, aprender a permanecer em Deus, permanecer nele, como ele permanece em nós. Permanecer em seu Amor, ter sua morada, sua sede, sua raiz nele, em todo tempo em todo lugar...

Cala-te. Silencio dos lábios, silencio do coração, silencio do espírito, três degraus em que, de silencio em silencio a pessoa se aproxima do silencio infinito da Presença.

Respira mais suavemente. Não se trata de controlar a própria respiração, nem de medi-la, mas antes, de acompanhá-la, de acalmá-la, de suavizá-la... Hoje já conhecemos mais a influencia da respiração sobre o psiquismo, a atenção ao respirar é um meio seguro de concentração, pensamos de modo diferente quando o respirar é calmo e profundo. Aliás, num momento de supressão da respiração, o pensamento também é suspenso, provamos um certo silencio.
De onde vem nosso sopro, e para onde retorna? Ser atento ao "inspirar" e ao " expirar" já pode nos levar bem longe, mas para a tradição hesicasta a atenção ao respirar é verdadeiramente um exercício espiritual.

O respirar é a Ruah, o hálito de Deus, o pneuma, o Sopro do Pai, que traduzimos por Espírito Santo. Respirar profundamente, respirar mais docentemente é aproximar-se do Espírito de Deus e, num certo momento, sentir-se inspirado, expirado por Ele. A pessoa pode sentir-se como que levada pelas grandes ondas do Vivente: "Ele dá seu sopro as coisa e elas vivem...Ele retira seu sopro e elas voltam ao pó." (...)

Gregório de Sinaíta dizia: O verdadeiro princípio da oração é o calor do coração que consome as paixões, produz na alma a alegria e a felicidade e conforma o coração num amor seguro e num sentimento de plenitude indubitável.

Simone Weil, nos fala que "a imaginação serve para fechar os buraco por onde passaria a graça". Temos dificuldade de suportar o vazio, o deserto e o povoamos de miragens.

"O que os monges buscam não é um estado subjetivo particular, mas um contato objetivo cujos efeitos - calor do coração, felicidade, sentimento de plenitude - são reais, mas essencialmente diferentes dos sentimentos subjetivos que lhes correspondem, pois manifestam a presença efetiva de Deus e não um estado de alma" - Gregório Palamas. (...)

Tem um coração e serás salvo. 
Ter um coração não é somente centrar-se numa parte do corpo, é uma certa maneira de ser, de ver, de respirar com o coração. O próprio do coração é tratar todas as coisas fraternalmente, viver num mundo de objetos, mas como meta este despertar do coração, esta sensibilidade à presença de Deus em todas as coisas, e esta presença faz de todas as coisas não fenômenos no sentido comum, mas verdadeiras epifanias, manifestações do Deus inacessível. 

A oração de Gregório exprime bem este estado do coração despertado quando diz: "Ó Tu, o Além de Tudo". 

Tu - sensação de intimidade, de presença e Além de Tudo, sentido de alteridade, da Outridade radical daquele ao qual ele se dirige. O coração reconhece o Desconhecido no próximo e a proximidade do Além, sentido da Imanência e da Transcendência.

Ter um coração é estar centrado, sair da dispersão do mental dos pensamentos que vão e vem. O coração tem uma função de integração da personalidade - integrar a função vital e a função intelectual - daí esta experiência de "fazer descer o intelecto ao coração". 

Pacificá-lo, centrá-lo, fazer do coração o próprio órgão da consciência não racionante, mais intuitiva que analítica, percepção global dos seres das coisas em que seu caráter fugaz e eterno ao mesmo tempo, percepção amante, que permite ver melhor o que é. 

Esta descida do espírito ao coração, é um ato de integração, um modo de centrar o pensamento de cordializar a consciência; Nós nos aproximamos do coração de Cristo e de seu olhar não julgador, sobre todos aqueles que Ele encontra.
Jean Yves Leloup em Escritos sobre o Hesicaste. 
O Além de Tudo - Jean Yves Leloup

Song of men



Canção do amor existente no homen
Quando uma mulher de uma certa tribo da África, sabe que ela está grávida, ela vai para a selva com outras mulheres e juntas rezam e meditam até que conseguem a “canção da criança”.Quando a criança nasce, a comunidade se reúne e cantam a canção. Então, quando a criança começa a ser educada, o povo se reuni e canta a canção.
Quando a criança se torna um adulto, eles se reúnem e cantam novamente. Quando chega a hora do casamento, ele escuta a sua canção.   Finalmente, quando sua alma está para partir deste mundo, a família e amigos próximos a ele, os mesmos do momento do nascimento, cantam a sua canção para acompanhá-lo na viagem.
Nesta tribo Africana há outra ocasião na qual os homens cantam a canção. Se em algum momento a pessoa comete um crime ou ato social aberrante, levam até o centro da cidade e pessoas da comunidade formam um círculo ao seu redor. Em seguida, eles cantam a música . A tribo reconhece que a correção para as condutas de comportamento não é punição, é o amor e a lembrança de sua verdadeira identidade.
Quando reconhecemos nossa própria canção não há necessidade ou desejo de prejudicar ninguém..Seus amigos sabem a sua música e cantam quando você esquece-la.   Aqueles que te amam  lembram da sua beleza quando te sentes feio; lembram de voce inteiro quando estiver partido ao meio, lembram sua inocência, quando você se sente culpado e lembram seu propósito quando você está confuso.


outubro 5, 2011 — Amir El AouarTraduzido e publicado por Olga Lustosa – Cuiabá-MT

Canção Cósmica



Cançao Cosmica

42. Eu te expliquei a verdade suprema e final. Não existes tu, nem existo eu, coisa alguma grande (ou pequena), tampouco qualquer mestre ou qualquer discípulo. Essa ,Verdade Suprema, em sua própria natureza, é absolutamente livre. Eu sou o conhecimento imortal, imutável e onipresente como o espaço.

43. Se é a Ventura, ela própria, onipresente como o espaço, como pode haver outra verdade suprema? Se é a Ventura, ela própria, onipresente como o espaço, como pode haver algo superior (a ela)? Se é tanto o conhecimento quanto a verdade, como pode haver algo mais elevado?

44. Fica sabendo que toda a verdade está despida de fogo e vento, despida de terra e água, despida de todo o movimento e é onipresente como o espaço.

45. Não é da forma do vácuo, nem da matéria. Não é pura nem impura. Não é de boa ou de má forma. É o seu próprio Eu - a Verdade Suprema.

46. Desiste do mundo, desiste até da renúncia; abandona tanto a renúncia quanto a não-renúncia. O Atma, por sua própria natureza, é imaculado, imortal e uma certeza total.

Avadhut Gita ♡
(A Canção do Asceta) Capítulo 3
Mahatma Dattatreya




Sequencia de Fibonnacci

A espiral é um dos símbolos mais antigos e universais. Ela representa a força cósmica, uma porta de entrada para a vida, os ciclos do tempo e da natureza, viagem espiritual, evolução / aprendizagem / crescimento, emanação, enrolamento e desenrolamento, nascimento e morte, o aspecto dinâmico das coisas.Bloog Spiritual Evolution
auxilioemocional.blogspot.com.br: Lembre-se

Nasci antes que nenhuma forma existisse

Enquanto um diz: Namastê, te saúdo e te reconheço como a sagrada divindade. 

Em outro lugar, o outro pulsa: In lake´sh, eu sou o outro em você a serviço planetário da compreensão, da aceitação, da cura, da libertação e da realização. 

amor e alegria infinita, paz e compaixão infinita, paciência e tolerância infinita.

e e amor e alegria infinita, paz e compaixão infinita, paciência e tolerância infinita.



seus cabelos são folhas, sua pele, a casca exterior.

Em verdade, da sua pele corre sangue, como a seiva corre da casca. 
Sua carne é a casca interior, os tendões são a camada interna, resistente.
Por baixo estão os ossos, como está a madeira. 
O tutano dos ossos é comparável à medula da árvore. 
Se uma árvore, derrubada, cresce de novo a partir da raiz e transforma-se em outra, 
a partir de que raiz cresce o mortal depois de derrubado pela morte? 
Não digas "Da Semente", pois esta é gerada no vivente.
A partir de que raíz cresce o mortal depois de derrubado pela morte?
Talvez tu digas que ele simplesmente nasce e morre. 
Não, digo eu. 
Ele nasce de novo. 
Nasce do quê? 
Do Absoluto Consciente e Perfeitamente Feliz, 
Princípio da Graça, 
Refúgio daquele que O conhece 
e n´Ele permanece. 
corpórea se manifestasse.

Do seio das nebulosas
vi brotar a criação multiforme.
Pensei formas que foram depois
humanizadas.
Quando no início dos tempos
os deuses destruíram a ponte
do arco-íris por onde os
Filhos dos Imortais desciam
em busca das filhas dos homens,
contemplei as estrelas caírem
como chuva, sobre este planeta
obscuro...
Sou mais velha que o Tempo e
mais jovem que as alvoradas.
Respiro o hálito de todos os mundos
e sinto-me eterna como o Grande Ser,
porque dele sou a
emanação suprema!
É uma canção cósmica! 
Do livro Lendas do Sagrado Imperio
Chiang Sing




Este corpo não sou eu, Eu não sou limitado por este corpo. Eu sou vida sem limites. Eu nunca nasci e eu nunca morri. Desde antes dos tempos, eu fui livre. Nascimento e morte são apenas portas, através das quais passamos limiares sagrados na nossa jornada. Nascimento e morte são o jogo do esconder e encontrar. Então, ri comigo, segura a minha mão, deixa-nos dizer adeus, dizer adeus, para nos encontrarmos brevemente. Reunimo-nos hoje, reunir-nos-emos novamente amanhã. Reunir-nos-emos na Fonte a cada momento.
Encontrar-nos-emos em todas as formas de vida."

Thich Nhat Hanh

O Agora é Liberdade - Satyaprem

   


"Você é o oceano. A ideia de ser uma onda é inadequada, causa separação. 
A ideia de separação é a causa do sofrimento. E o sofrimento gera a a busca pela felicidade...

A boa nova é que não tem felicidade. E sofrimento, tampouco.
Você sofre porque deseja a felicidade, algo fugaz, que vem e vai. 

Atente para o fato de que também o sofrimento vem e vai. Nada fica. Então, por que buscar um e evitar o outro? 

Você já teve o melhor carro, e ele se foi. Já teve aquele grande amor e este também se foi. Essa é a natureza das coisas. Essa é a lei do periférico: ir e vir. Tudo aquilo que aparece, desaparece. 

Tudo aquilo que vem, vai.
Só uma coisa não vem nem vai, permanece. E não é uma coisa. 

É para Isso que quero que você atente. 
Descubra o que é Isso que fica. 
O que é Isso que nunca foi, nunca irá e não veio de lugar nenhum? Veja! 

É o momento de compreender essa linguagem que, até hoje, tem sido completamente oculta. 

É o momento de compreender todas aquelas – antes incompreensíveis – histórias Zen.Você está sendo iniciado e agora não só compreende a nova linguagem como pode vivenciá-la no seu dia a dia. 

Você está em casa e isso está ficando claro. Chega de se confundir com os sentimentos, com o corpo, com a mente. 
Este é um momento em que é necessário que muitos saibam a respeito de Si, seja um deles. Saiba quem você é. 
Seja quem você É.

Verifique que aqui e agora não há nenhum querer, nenhum desejo e isso não é algo que deva ser alcançado, basta ser percebido, pois é a sua natureza. Verifique – veja e fique –, olhe para o lugar certo e tudo o que você busca está absurdamente diante do seu nariz.  

Se você olha para a mente, sempre encontra desejos e, consequentemente, insatisfação. Se olha para o lugar certo, o que encontra? O lugar certo, neste contexto, é dentro – e dentro não pode ser acessado com os sentidos. Logo, pergunto: o que você vê sem os sentidos? Silêncio é a resposta. A única resposta. Se é isso o que você quer, aproxime-se!

Costumo questionar algumas pessoas que me encontram pela primeira vez a respeito do que elas estão pensando “agora”. Geralmente, dada a pergunta, elas começam a pensar ou tentar pensar em algo, sem se dar conta que “agora” elas não pensam. Pensar está sempre antes ou depois. O corte do “agora” é muito mais brusco e agudo. Nada pode acontecer no “agora”.

Por este motivo a pergunta é feita e refeita, incansavelmente – muitos a fizeram e vislumbro que tantos outros a farão – para que esta semente, a semente da Verdade, se instaure.

Apenas uma coisa deve ser feita, estabeleça a seguinte verdade: aqui e agora é onde reside o segredo. 
Tudo o que você tem feito para encontrar o segredo, apenas o afasta. Esteja atento ao “aqui e agora” e nada mais é necessário. Se você quer que, no mínimo, a sua vida “melhore”, enamore-se do “aqui e agora” e será o fim de todo o sofrimento. 
Uma vez que se estabeleça essa abertura, possivelmente você estará diante de uma imensurável liberdade, pelo reconhecimento e deleite em ser o que você é. 
Satyaprem em Satsa






Que dos céus caiam chuvas de bençãos sobre ti,
que possas senti-las nas palmas da mão e conserva-las no
coração.
Nadja Feitosa


Mario Quintana



Pai

Por acaso, surpreendo-me no espelho:
    Quem é esse que me olha e é tão mais velho que eu? (...)
    Parece meu velho pai – que já morreu! (...)
    Nosso olhar duro interroga:
    "O que fizeste de mim?" Eu pai? Tu é que me invadiste.
    Lentamente, ruga a ruga... Que importa!
    Eu sou ainda aquele mesmo menino teimoso de sempre
    E os teus planos enfim lá se foram por terra,
    Mas sei que vi, um dia – a longa, a inútil guerra!
    Vi sorrir nesses cansados olhos um orgulho triste..."

      MARIO QUINTANA

O Milagre

Dias maravilhosos em que os jornais vêm cheios de poesia... e do lábio do amigo brotam palavras e eterno encanto... Dias mágicos... em que os burgueses espiam, através das vidraças dos escritórios, a graça gratuita das nuvens...

[Mário Quintana]



Quem disse que a poesia é apenas

agreste avena?
A poesia é eterna Tomada da Bastilha
o eterno quebra-quebra
o enforcar de judas, executivos e catedráticos em
[todas as esquinas
e,
a um ruflar poderoso de asas,
entre cortinas incendiadas,
os Anjos do Senhor estuprando as mais belas 
[dos mortais...

Deles, nascem os poetas.
Não todos...Os legítimos
espúrios:
um Rimbaud, um Poe, um Cruz e Souza...

(Rege-os, misteriosamente, o décimo terceiro signo do
[zodíaco.) 

Mario Quintana
In Esconderijo do Tempo

Canção do dia de sempre 


Tão bom viver dia a dia... 
A vida assim, jamais cansa...






Viver tão só de momentos 

Como estas nuvens no céu... 



E só ganhar, toda a vida, 

Inexperiência... esperança... 

E a rosa louca dos ventos 
Presa à copa do chapéu. 

Nunca dês um nome a um rio: 
Sempre é outro rio a passar. 

Nada jamais continua, 
Tudo vai recomeçar! 

E sem nenhuma lembrança 
Das outras vezes perdidas, 
Atiro a rosa do sonho 
Nas tuas mãos distraídas... 

( Mario Quintana )



"Na convivência, o tempo não importa




Se for um minuto, uma hora, uma vida.





O que importa é o que ficou deste minuto,


desta hora, desta vida... 


Lembra que o que importa


é tudo que semeares colherás.


Por isso, marca a tua passagem, 


deixa algo de ti, 


do teu minuto, 


da tua hora, 


do teu dia,


da tua vida."


(Mário Quintana)

EVOLUÇÃO

Todas as noites o sono nos atira da beira de um cais
e ficamos repousando no fundo do mar.
Onde tudo começa...
Onde tudo se refaz...
Até que, um dia, nós criaremos asas.
E andaremos no ar como se anda em terra.

Mario Quintana
In Esconderijo do Tempo



A coisa mais solitária do mundo é um solo de flauta
Em compensação a tua cabeça está cheia de borboletas estrídulas
Mas eu deixo tombar das minhas mãos o pandeiro de guizos
E, na verdade, o que eu tenho é uma alma de violoncelo
- grave, profunda e triste...

Mario Quintana
In Velório sem Defunto




I
Quando a idade dos reflexos, rápidos, inconscientes,
 cede lugar à idade das reflexões - terá sido a   
sabedoria que chegou? Não! Foi apenas a velhice.
II
Velhice é quando um dia as moças começam a nos
tratar com respeito e os rapazes sem respeito nenhum.
III
Ora, ora! não se preocupe com os anos que já faturou:
a idade é o menor sintoma de velhice.  
Mario Quintana
In A Vaca e o Hipogrifo


Mas há uma beleza interior, de entro para fora, a transluzir de certas avozinhas trêmulas, de certos velhos nodosos e graves como troncos. De que será ela feita, que nem notamos como a erosão dos anos os terá deformado. Deviam ser caricaturas mas não fazem rir, uns aleijões mas não causam pena. O mesmo não nos acontece ante o penoso espetáculo de um animal velho. Eu gostaria de acreditar que essa inexplicável beleza dos velhos talvez fosse uma prova da existência da alma.
Mario Quintana
In Na Volta da Esquina
arte Young Old by Julia Swartz

Naquele nevoeiro
Profundo profundo...
Amigo ou amiga,
Quem é que me espera?
Quem é que em espera,
Que ainda me ama,
Parado na beira
Do cais do Outro Mundo?
Que rosto esquecido...
Ou radiante face
Puro sorriso
De algum novo amor?!
Mario Quintana
In O Aprendiz de Feiticeiro


 No princípio era o verbo. O verbo Ser. Conjugava-se
apenas no infinitivo. Ser, e nada mais.
Intransitivo absoluto.
Isto foi no princípio. Depois transigiu, e muito.
Em vários modos, tempos e pessoas: eu, tu, ele, nós ,vós,
eles...
Principalmente eles!
E, ante essa dispersão lamentável, essa verdadeira explosão
do SER em seres, até hoje os anjos ingenuamente se
interrogam por que motivo as referidas pessoas chamam a
isso de CRIAÇÃO...
Mario Quintana
In Na Volta da Esquina

Esporte
"O único esporte que pratico é a luta livre com o meu Anjo da Guarda".
?
"Que artista teria inventado o nosso ponto de interrogação? Ele já tem a forma de uma orelha que  
  escuta."

Não olhe para os lados
"Seja um poema, uma tela, ou o que for, não procure ser diferente. O segredo está em ser indiferente"
Mario Quintana
In Porta Giratória

O poeta canta a si mesmo
porque nele é que os olhos das amadas
têm esse brilho a um tempo inocente e perverso...

O poeta canta a si mesmo
porque num único verso
pende - lúcida, amarga -
uma gota fugida a esse mar incessante do tempo...
Porque o seu coração é uma porta batendo
a todos os ventos do universo.

Porque além de si mesmo ele não sabe nada
ou que Deus por nascer está tentando agora
                                [ ansiosamente respirar
neste seu pobre ritmo disperso!

O poeta canta a si mesmo
porque de si mesmo é diverso.
Mario Quintana
In Esconderijos do Tempo
Antes, muito antes que o rádio houvesse conspurcado
os espaços, escrevi em Alegrete um poema de
que apenas recordo estes versos:
"entre a minha casa e a tua
  há uma ponte de estrelas"
Era uma ponte de silêncio...Quando muito, uma
nova Ponte de Suspiros.Agora Maria acaba de me
telefonar do Rio. Não era a voz dela.Havia algo de
mecânico e metálico, de inumano naquela voz,
como se fora a voz de uma maria-robô.Faltava-lhe
esse calor humano que só a presença animal de uma
pessoa nos pode transmitir...e que faz com que 
qualquer mentira tenha tanta verdade!

Mario Quintana
In Na Volta da Esquina
Quem  disse que a poesia é apenas

agreste avena?

A poesia é a eterna Tomada da Bastilha

o eterno quebra-quebra

o enfocar de Judas, executivos e catedrático sem todas

[as esquinas

e,
a um rufar poderoso de asas,
entre cortinas incendiadas ,
Os Anjos do Senhor estuprando as mais belas filhas
[ dos mortais...
Deles, nascem os poetas.
Não todos...Os legítimos
espúrios:
um Rimbaud, um Poe, um Cruz e Souza...



(Rege-os, misteriosamente, o décimo terceiro signo
[ do zodíaco.)



Mario Quintana
In Antologia Poética

Eu fiz um poema belo
e alto
como um girassol de Van Gogh
como um copo de chope sobre o mármore
de um bar
que um raio de sol atravessa
eu fiz um poema belo como um vitral
claro como um adro...
Agora
não sei que chuva o escorreu
suas palavras estão apagadas
Alheias um à outra como as palavras de um dicionário
Eu sou como um arqueólogo decifrando as cinzas de 
[ uma cidade morta.
O vulto de um velho arqueólogo curvado sobre a terra...
Em que estrela, amor, o teu riso estará cantando?

Mario Quintana
In Antologia Poética

 VENTO E A CANÇÃO

para Tania Franco Carvalho

Só o vento é que sabe versejar:
Tem um verso a fluir que é como um rio de ar.

E onde a qualquer momento podes embarcar:
O que ele está cantando é sempre o teu cantar.

Seu grito é o grito que querias dar,
É ele a dança que ias tu dançar.

E, se acaso quisesses te matar,
Te ensinava cantigas de esquecer

Te ensinava cantigas de embalar...
E só um segredo ele vem te dizer...

- é o que o voo do poema não pode parar.

Mario Quintana
In 80 Anos de Poesia



MONOTONIA

É segundo por segundo
Que vai o tempo medindo
Todas as coisas do mundo
Num só tic-tac, em suma,
Há tanta monotonia
Que até a felicidade,
Como goteira num balde,
Cansa, aborrece, enfastia...
E a própria dor - quem diria? -
A própria dor acostuma.
E vão se revezando, assim,
Dia e noite, sol e bruma...
E isto afinal não cansa?
Já não há gosto e desgosto
Quando é prevista a mudança.
Ai que vida!
Ainda bem que tudo acaba...
Ai que vida tão comprida...
Se não houvesse a morte,Maria,
Eu me matava!

Mario Quintana
EXTRA-TERRENA
(para Cecília Meireles)

Nós colhíamos flores de hastes muito longas
E cujos nomes nem ao menos conhecíamos...
E nem sequer, também, sabíamos os nossos nomes...
E para quê, se um para o outro éramos Tu, apenas...
Ou quem sabe se a Morte nos houvera bordado
numa tapeçaria
A que o vento emprestasse a vida por um momento?
E por isso os nossos gestos eram ondulantes como
as plantas marinhas
E as nossas palavras como asas suspensas 
no vento...

Mario Quintana
In Preparativos de Viagem

QUEM BATE?

Cecília.Cecília que chega de um pátio da infância...
Traz ainda sereno nas tranças, seus sapatinhos andaram
pulando na grama...Depois assenta-se nos degraus da
torre, e canta...
Mas o chaveiro do sonho pegou-lhe as tranças, teceu
cordoalhas para o seu navio.Mas o chaveiro do sonho
pegou-lhe a canção...E fez um vento longo e triste.
E eu pensava que toda a minha tristeza vinha apenas
do vento, da solidão do mar, da incerteza daquela
viagem num navio perdido. 

Mario Quintana
In Sapato Florido

A NOITE GRANDE

Sem o coaxar dos sapos ou o cricri dos grilos

como é que poderíamos dormir tranquilos
a nossa eternidade? Imagina
uma noite sem o palpitar das estrelas
sem o fluir misterioso das águas.
Não digo que a gente saiba que são águas
estrelas
grilos...
- morrer é simplesmente esquecer as palavras.
E conhecermos Deus, talvez,
sem o terror da palavra DEUS!

Mario Quintana

In Esconderijos do Tempo

A CANÇÃO DO MAR

Esse embalo das ondas

Das ondas do mar
Não é um embalo
Para te ninar...

O mar é embalado

Pelos afogados!

O canto do vento

Do vento no mar
Não é um canto
Para te ninar...

São eles que tentam

Que tentam falar!

Tiveram um nome

Tiveram um corpo
Agora são vozes
Do fundo do mar...

Um dia viremos

Vestidos de algas

Os olhos mais verdes

Que as ondas amargas

Um dia viremos

Com barcos e remos

Um dia...


Dorme filhinha...

São vozes, são vento, são nada...

Mario Quintana

In Esconderijos do Tempo
QUINTANARES

"Não esquecer que as nuvens estão improvisando

sempre, mas a culpa é do vento."

"Mas para que interpretarem um poema? Um poema

já é uma interpretação."

"O ruim dos filmes de Far West é que os tiroteiros 

acordam a gente no melhor do sono."

"Nós não perdemos os mortos, os mortos é que nos

perdem."

"Buscas a perfeição? Não sejas vulgar. A autenticidade

é muito mais difícil."

"Se não fosse Van Gogh, o que seria do amarelo?"


"Ser poeta não é dizer grandes coisas; mas ter uma 


voz reconhecível dentre todas as outras."

by Caderno H

Mario Quintana nasceu em 30 de julho de 1906...


ALMA ERRADA

Há coisas que a minha alma, já mortificada não admite:
assistir novelas de TV
ouvir música Pop
um filme apenas de corridas de automóvel
uma corrida de automóvel num filme
um livro de páginas ligadas
porque, sendo bom, a gente abre sofregamente a dedo:
espátulas não há… e quem é que hoje faz questão de virgindades…
E quando minha alma estraçalhada a todo instante pelos telefones
fugir desesperada
me deixará aqui,
ouvindo o que todos ouvem, bebendo o que todos bebem,
comendo o que todos comem.
A estes, a falta de alma não incomoda. (Desconfio até
que minha pobre alma fora destinada ao habitante de outro mundo).
E ligarei o rádio a todo o volume,
gritarei como um possesso nas partidas de futebol,
seguirei, irresistivelmente, o desfilar das grandes paradas do Exército.
E apenas sentirei, uma vez que outra,
a vaga nostalgia de não sei que mundo perdido…

Mário Quintana


O Milagre

Dias maravilhosos em que os jornais vêm cheios de poesia... e do lábio do amigo brotam palavras e eterno encanto... Dias mágicos... em que os burgueses espiam, através das vidraças dos escritórios, a graça gratuita das nuvens...

[Mário Quintana]


Um dia...Pronto!...Me acabo.
Pois seja o que tem de ser.
Morrer: Que me importa?
O diabo é deixar de viver.

[Mário Quintana]